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Que Deus Me Perdoe

Barco Negro

Triste sina

Sabe-se là

Mulher-màgoa

Oiça Là o Senhor Vinho

Gonçalo Velho

Tudo Isto é Fado

A moda das tranças pretas

Сheira a Lisboa

Ai Mouraria

A casa de Mariquinhas

Ó careca

Fado português

Gaivota

Madrugada de Alfama

Foi Deus

Confesso

Nem às paredes confesso

Amália

Amantes Separados

Bailaricos

Tendinha

Grão De Arroz

Lá Vai Lisboa

As Rosas Do Meu Caminho

Lisboa Não Sejas Francesa

Conta Errada

Fado Marujo

Fado Alfacinha

Fado Antigo

O Rapaz da Camisola Verde

Fado Das Trincheiras

Fado Lisboa

O Fado Veio A Paris

Fui Ao Mar Buscar Sardinhas

Noite De Santo Antonio

Pintadinho

Fadista Louco  

Leio Em Teus Olhos

Tunica Negra     

Paseio a Mouraria

Medo

Fado Curvo

Feira de Castro

Caravelas

Cavaleiro Monge

Montras

Mal me quer

Loucura

Chuva

Poetas

Primavera

Vielas de Alfama

Transparente

Maria Lisboa

Fora de portas

 

Que Deus Me Perdoe

Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar,
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar,
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada
Quanto finjo alegria
Quanto choro a cantar...

Que Deus me perdoe
Se é crime ou pecado
Mas eu sou assim
E fugindo ao fado,
Fugia de mim.
Cantando dou brado
E nada me doi
Se é pois um pecado
Ter amor ao fado
Que Deus me perdoe.

Quanto canto não penso
No que a vida é de má,
Nem sequer me pertenço,
Nem o mal se me dá.
Chego a querer a verdade
E a sonhar - sonho imenso -
Que tudo é felicidade
E tristeza não há.

Barco Negro

De manhã, que medo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia.
Mas logo os teus olhos disseram que não!
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois numa rocha uma cruz
e o teu barco negro dançava na luz...
Vi teu braço acenando entre as velas já soltas...
Dizem as velhas da praia que não voltas.
São loucas... são loucas!

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estàs sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros,
na àgua que canta no fogo mortiço,
no calor do leito dos bancos vazios,
dentro do meu peito estàs sempre comigo.

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estàs sempre comigo.

 

Triste sina

Mar de mágoas sem marés
Onde não hà sinal de qualquer porto
De lés a lés o céu é cor de cinza
E o mundo desconforto
No quadrante deste mar que vai rasgando
Horizontes sempre iguais а minha frente
Hà um sonho agonizando
Lentamente,
tristemente

Mãos e braços para qué
E para qué os meus cinco sentidos
Se a gente não
se abraça não se vé
Ambos perdidos
Nau da vida que me leva
Naufragando em mar de trevas
Com meus sonhos de menina
Triste sina

Pelas rochas se quebrou
E se perdeu a onda deste sonho
Depois ficou uma franja de espuma
A desfazer-se em bruma
No meu jeito de sorrir ficou vincada
A tristeza de por ti não ser beijada
Meu senhor de todo o sempre
Sendo tudo
não és nada.

Mãos e braços para qué
E para qué os meus cinco sentidos
Se a gente não
se abraça não se vé
Ambos perdidos
Nau da vida que me leva
Naufragando em mar de trevas
Com meus sonhos de menina
Triste sina

Sabe-se là

Là porque ando embaixo agora
Não me neguem vossa estima
Que os alcatruzes da nora
Quando chora
Não andam sempre por cima

Rir da gente ninguém pode
Se o azar nos amofina
Pois Deus não nos acode
Não hà roda que mais rode
Do que a roda da mà sina.

Sabe-se là
Quando a sorte é boa ou mà
Sabe-se là
Amanhã o que virà
Breve desfaz - se
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe, quando nasce
Pro que nasce uma pessoa.

O preciso é ser-se forte
Ser-se forte e não ter medo
Eis porque а s vezes a sorte
Como a morte
Chega sempre tarde ou cedo


Ninguém foge ao seu destino
Nem para o que està guardado
Pois por um condão divino
Hà quem nasça pequenino
Pr'a cumprir um grande fado.

 

Mulher-màgoa

Ary dos Santos - Nuno Nazareth Fernandes
Ando na rua da noite
Bedo vinho de saudade
Cada esquina é um acoite
Fustigando a claridade

Vou de noite pela noite
De uma vida sem idade
Não há corpo onde me acoite
Não há casas na cidade

Vou de noite pelo ventre
De ruas mal assombradas
Levo uma alma doente
Nas minhas mãos desfasadas

Vou de noite pela noite
De uma vida sem idade
No hà corpo onde me acoite
Não hà casas na cidade

No rio vejo um navio
Rumando rumo а infancia
Tenho frio, tenho frio
Morro do mal da distancia

Corro as ruas da cidade
Sempre а procura de mim
Mas ela não tem piedade
E nunca mais chego ao fim

Ando na rua da vida
Bebo sumo de tristeza
Deitando conteas а vida
Sinto apenas a pobreza

Ando na rua da vida
Bebo sumo de tristeza
Quem andar assim perdida
Não se encontra concerteza

Vou de noite pelo ventre
De ruas mal assombradas
Levo uma alma doente
Nas minhas mãos desfasadas

Na cama so vejo lama
Na rua so piso água
Quem me fala? Quem me chama
O nome de Mulher-Mágoa ?

Corro as ruas da cidade
Sempre а procura de mim
Mas ela não tem piedade
E nunca mais chego ao fim

Oiça Là o Senhor Vinho

Oiça lá o senhor vinho,
vai responder-me, mas com franqueza:
porque é que tira toda a firmeza
a quem encontra no seu caminho?

Là por beber um copinho a mais
até pessoas pacatas,
amigo vinho, em desalinho
vossa mercé faz andar de gatas!

É mau procedimento
e há intenção naquilo que faz.
Entra-se em desequilíbrio,
não hà equilíbrio que seja capaz.

As leis da Física falham
e a vertical de qualquer lugar
oscila sem se deter
e deixa de ser perpendicular.

"Eu já fui", responde o vinho,
"A folha solta brincara ao vento,
fui raio de sol no firmamento
que trouxe a uva, doce carinho.

Ainda guardo o calor do sol
e assim eu até dou vida,
aumento o valor seja de quem for
na boa conta, peso e medida.

E sí faço mal a quem
me julga ninguém
e faz pouco de mim.
Quem me trata como água
é ofensa, pago-a!
Eu cà sou assim."

Vossa mercé tem razão
e é ingratidão
falar mal do vinho.
E a provar o que digo
vamos, meu amigo,
a mais um copinho!

 

Gonçalo Velho

Este navio o Gonçalo  
é pequenino... deixá-lo...  
mas é valente e resiste.  

Porque, se alguém duvidar,  
chega bem para mostrar  
que Portugal inda existe!

Um navio era preciso  
p’ra a Armada tomar caminho 
e ter uma esquadra enorme;  

e, como se chama “aviso”,  
é p’ra avisar o povinho  
de que a Marinha não dorme! 

Ser marinheiro  
é ser bravo,  
é ser valente,  
é amar este cantinho  
que se aperta sima mão;  
ser marinheiro  
é trazer constantemente
Portugal todo inteirinho
cà dentro do coração.  

“Por jà estar muito velhinha 
a velha esquadra não prova...”  
é dito jà velho e relho.  

Para dar força а Marinha  
ao surgir a esquadra nova  
là foram buscar um velho...  

É mais uma fortaleza  
com que a Marinha de Guerra  
vai d’hora а vante contar  

e defender, com nobreza,  
este pedaço de terra  
que nos custou a ganhar!    

Ser marinheiro  
é ser bravo,  é ser valente,
é amar este cantinho  
que se aperta sima mão;
 ser marinheiro
é trazer constantemente  
Portugal todo inteirinho  
cá dentro do coração.

Tudo Isto é Fado

Perguntaste-me outro dia
Se eu sabia o que era o fado
Eu disse que não sabia
Tu ficaste admirado
Sem saber o que dizia
Eu menti naquela hora
E disse que não sabia
Mas vou te dizer agora

Almas vencidas
Noites perdidas
Sombras bizarras
Na mouraria
Canta um rufia
Choram guitarras
Amor, ciúme
Cinzas e lume
Dor e pecado
Tudo isto existe
Tudo isto é triste
Tudo isto é fado

Se queres ser o meu senhor
E teres-me sempre a teu lado
Não me fales sí de amor
Fala-me também do fado
A canção que é meu castigo
Sí nasceu pra me perder
O fado é tudo o que eu digo
Mais o que eu não sei dizer.

 

A moda das tranças pretas

Como era linda com seu ar namoradeiro
'Té lhe chamavam 'menina das tranças pretas',
Pelo Chiado passeava o dia inteiro,
Apregoando raminhos de violetas.

E as raparigas d'alta roda que passavam
Ficavam tristes a pensar no seu cabelo,
Quando ela olhava, com vergonha, disfarçavam
E pouco a pouco todas deixaram crescé-lo.

Passaram dias e as meninas do Chiado
Usavam tranças enfeitadas com violetas,
Todas gostavam do seu novo penteado,
E assim nasceu a moda das tranças pretas.

Da violeteira já ninguém hoje tem esperanças,
Deixou saudades, foi-se embora e а tardinha
Está o Chiado carregado de mil tranças
Mas tranças pretas ninguém tem como ela as tinha

Ai Mouraria

Ai Mouraria da velha rua d´Alfama
Onde eu um dia deixei presa a minha alma,
Por ter passado mesmo ao meu lado um certo fadista
De cor morena, boca pequena e olhar trocista.

Ai Mouraria do homem do meu encanto,
Que me mentia mas que eu adorava tanto,
Amor que o vento como um lamento leva consigo
Mas que ainda agora e a toda a hora trago comigo.

Ai Mouraria dos rouxinóis nos beirais,
dos vestidos cor-de-rosa nos pregões tradicionais.
Ai Mouraria, das procissões a passar,
da Severa em voz saudosa na guitarra a chorar.


 

Сheira a Lisboa

Lisboa já em sol mas cheira a lua,
Quando nasce a madrugada sorrateira
E o primeiro el trico da rua
Faz coro c'oa chinela da Ribeira.
Se chove, cheira a terra prometida,
Procissísoi est é cheiro a rosmaninho.
Na tasca da viela mais escondida,
Cheira a iscas (com elas) e a vinho.

[Refr]
Um craveiro numa a furtada,
Cheira bem, cheira a Lisboa!
Uma rosa a florir na tapada,
Cheira bem, cheira a Lisboa!
A fragata que se ergue na proa,
A varina que teima em passar,
Cheiram bem porque soa de Lisboa,
Lisboa tem cheiro de flores e de mar!

Lisboa cheira aos café do Rossio,
E o fado cheira sempre a solidar
Cheira a castanha assada, se este frio,
Cheira a fruta madura, quando é Verão.
Nos lados tem o cheiro dum sorriso,
Manjerico tem o cheiro de cantigas,
E os rapazes perdem o juiso
Quando lhes da cheiro a raparigas.

[Refr]

A casa de Mariquinhas

Foi no Domingo passado que passei
A casa onde vivia a Mariquinhas,
mas 'staudo to mudado
que novi em menhum lado
as tais janelas que tinham tabuinhas.
Do rado-chao telhado
novi nada, nada, nada
que pudesse recordar-me a Mariquinhas,
e haom vidro pregado e azulado
onde havia as tabuinhas.

Entrei e onde era a sala agora esta
A secreta um sujeito que hay ingrinhas,
mas novi colchas com barra
nem viola, nem guitarra,
nem espreitadelas furtivas das vizinhas.
O tempo cravou a garra
na alma daquela casa
onde as vezes petiscavamos sardinhas
quando em noites de guitarra e de farra
estava alegre a Mariquinhas.

As janelas tom garridas que ficavam
com cortinados de chita a pintinhas
perderam de todo a grassa porque oje uma vidrasa

com cercadura de lata ah voltinhas.
E l'ra dentro quem passa
hoje d'ra ir aos penhores
entregar ao usuro umas coisinhas,
pois chega a esta desgrasa toda a grassa
da casa da Mariquinhas.

P'ra terem feito da casa o que fizeram
melhor fora que a mandassem p'ras alminhas,
pois ser casa de penhores
o que foi viveiro d'amores
a edeia que no cabe c nas minhas
recordasois do calor
e das saudades. O gosto
que eu vou procurar esquecer
numas ginginhas,
pois dar de beber a Dor o melhor,
jaizia a Mariquinhas.

Ó careca

Eu faço um vistão com a careca ao léu
acho um piadão andar sem chapéu
Mas se a moda pega tenho que aturar
esta cegarrega que é de arreliar.

Ó careca, ó careca
tira a boina
que é moda andar em cabelo
com a breca
tira a tampa da careca
que a careca não tem pelo.

Eu visto a preceito ando assim liró
corpinho bem feito no meu paletó
Com esta farpela que é protocolar
de cabeça á vela so oiço gritar

Fado português


O fado nasceu um dia
Quando o vento mal bulia
E o céu o mar prolongava
Na amurada de um veleiro
No peito de um marinheiro
Que estando triste cantava

Ai que lindeza tamanha
Meu chão, meu monte, meu vale
De folhas, flores, frutas de oiro
Vê se vês terras de Espanha
Areias de Portugal
Olhar ceguinho de choro

Na boca de um marinheiro
No frágil barco veleiro
Morrendo a canção magoada
Diz o pungir dos desejos
Do lábio a queimar de beijos
Que beija o ar e mais nada

Mãe adeus, adeus Maria
Guarda bem o teu sentido
Que aqui te faço uma jura
Que eu te leve à sacristia
Ou foi Deus que foi servido
Dai-me no mar sepultura

Ora eis que embora outro dia
Quando o vento nem bulia
E o céu o mar prolongava
À proa de outro veleiro
Velava outro marinheiro
Que estando triste cantava

Gaivota

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa
esmorece e cai no mar

Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração

Se um português marinheiro
dos sete mares andarilho
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse
se esse olhar de novo brilho
ao meu olhar se enlaçasse

Que perfeito coração
no meu peito bateria
meu amor na tua mão
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro
esse olhar que era só teu
amor que foste o primeiro

Que perfeito coração
no meu peito morreria
meu amor na tua mão
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração

Madrugada de Alfama

Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada,
mas ela, de tão estouvada
nem sabe como se chama.

Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama
e que o sol primeiro inflama
quando acorda à madrugada.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama.

Nem mesmo na Madragoa
ninguém compete com ela,
que do alto da janela
tão cedo beija Lisboa.

E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa.

Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada;
são mastros de luz doirada
os ferros da sua cama.

E a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa,
é como a estatua de proa
que anuncia a caravela,
a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa.

Foi Deus

Não sei, não sabe ninguém
por que canto o fado
neste tom magoado
de dor e de pranto
e neste tormento
todo o sofrimento
eu sinto que a alma
cá dentro se acalma
nos versos que canto

Foi Deus

que deu luz aos olhos
perfumou as rosas
deu oiro ao sol
e prata ao luar
foi Deus
que me pôs no peito
um rosário de penas
que vou desfiando
e choro a cantar
e pôs as estrelas no céu
e fez o espaço sem fim
deu o luto as andorinhas
ai, e deu-me esta voz a mim

Se canto
não sei o que canto
misto de ventura
saudade, ternura
e talvez amor
mas sei que cantando
sinto o mesmo quando
se tem um desgosto
e o pranto nos rosto
nos deixa melhor

Foi Deus
que deu voz ao vento
luz ao firmamento
e deu o azul às ondas do mar
foi Deus
que me pôs no peito
um rosário de penas
que vou desfiando
e choro a cantar
fez poeta o rouxinol
pôs no campo o alecrim
deu as flores à Primavera
ai!, e deu-me esta voz a mim.

Confesso

Confesso que te amei
Confesso
Não corro a dizer
Não corro
Pareço outra mulher
Pareço
Mas lá chorar por ti
Não choro.

Fugir do amor tem seu preço
Se à noite em claro adormeço
Longe do meu traveceiro.
Confesso amor que não esqueço
Mas lá perdão não te pesso
Sem que me pessas primeiro.

De rastos a teus pés
Perdida te adorei
Até que me encontrei perdida.
Agora já não és
Na vida o meu senhor
Mas foste o meu amor
Na vida.

Não penses mais em mim
Não penses
Não estou nem p’ra te ouvir
Por carta.
Convenses as mulheres
Convenses
Estou farta de o saber
Estou farta.

Não escrevas mais, nem me encenses
Quero que tu me indiferenses
Dessas que a vida te deu.
A mim já não me pertences
Mas lá vencer-me não vences
Porque vencida estou eu

Nem às paredes confesso

Não queiras gostar de mim
Sem que eu te peça
Nem me dês nada que ao fim, eu não mereça
Vê se me deitas depois culpas no rosto
Isto é sincero
Porque não quero dar-te um desgosto

De quem eu gosto nem às paredes confesso
E até aposto que não gosto de ninguém
Podes rogar, podes chorar
Podes sorrir também
De quem eu gosto, nem as paredes confesso

Quem sabe se te esqueci ou se te quero
quem sabe até se é por ti
Por quem eu espero
Se eu gosto ou não afinal, isso é comigo
Mesmo que penses que me convences
Nada te digo.

Amália

Amália
quiz Deus que fosse o meu nome
Amália
acho-lhe um jeito engraçado
bem nosso e popular
quando oiço alguém gritar
Amália
canta-me o fado

Amália
esta palavra ensinou-me
Amália
tu tens na vida que amar
são ordens do Senhor
Amália sem amor
não liga, tens de gostar
e como até morrer
amar é padecer
Amália chora a cantar!

Amália
disse-me alguém com ternura
Amália
da mais bonita maneira
e eu toda coração
julguei ouvir então
Amália p'la vez primeira

Amália
andas agora à procura
Amália
daquele amor mas sem fé
alguém já mo tirou
alguém o encontrou
na rua com a outra ao pé
e a quem lhe fala em mim
já só responde assim
Amália? não sei quem é!

Amantes Separados

Como num búzio
O mar repete essa balada
Numa canção
Feita de sonho e ansiedade
Meu coração
Repete a história apaixonada
Duma presença que se fez
Longe, saudade

A vida quis que fosse assim
Nosso destino
No grande amor que quis
Vencer os vendavais
A vida quis que fosse assim
Nosso destino
Onda quebrada contra a praia
E nada mais

E a vida passa
Como os versos que escrevemos
E as promessas que fizemos
No dia da despedida
E a vida passa
Passam os dias rasgados
Tudo passa e passa a vida
Dos amantes separados

Bailaricos

O bailarico saloio
Não tem nada que saber
Andar com um pé no ar
Outro no chão a bater

Milho grosso, milho grosso
Milho grosso, folha larga
А sombra do milho grosso
Namorei a minha amada

Teus olhos são passarinhos
Que inda não sabem voar
Cuidado que andam aos ninhos
Os rapazes do lugar

Chamaste-me preta, preta
Que eu sou preta, bem o sei
Também azeitona é preta
E vai а mesa do rei

A barra da minha saia
Foi vocé que ma queimou
Com a ponta do cigarro
Quando comigo dançou

Tendinha

Junto ao arco de bandeira
Há uma loja tendinha
De aspecto rasca e banal
Na história da bebedeira
Ai, aquela casa velhinha
É um padrão imortal

Velha taberna
Nesta Lisboa moderna
É da tasca humilde e terna
Que mantém a tradição
Velha tendinha
És o templo da pinguinha
Dois dois brancos, da ginginha
Da boêmia e do pimpão

Noutros tempos, os fadistas
Vinham, já grossos das hortas
Pra o teu balcão returrar
E inspirados, os artistas
Iam pra aí, horas mortas
Ouvir o fado e cantar

 

Grão De Arroz


O meu amor é pequenino como um grão de arroz,
É tão discreto que ninguém sabe onde mora.
Tem um palácio de oiro fino onde Deus o pôs,
E onde eu vou falar de amor a toda hora!
Cabe no meu dedal, tão pequenino é,
E tem o sonho ideal expresso em fé
É descendente de um sultão, talvez do rei Saul,
Vive na casa do botão do meu vestido azul!
O meu amor é pequenino como um grão de arroz
Tem um palácio que o amor aos pés lhe pôs!
Ai, quando o amor vier,
Seja o que Deus quiser!

O meu amor tem um perfume que saiu da flor,
É devolvido no meu lenço de cambraia.
E vem falar ao meu ouvido com tamanho ardor,
Que tenho medo que da orelha me caia!
Soeu segredos e pôs-se a pensar,
Só recebi, sorri o meu olhar!
O meu amor tem um apelo que é paixão, depois,
É tão pequeno como um pequenino grão de arroz!
Ai, quando o amor vier
Seja o que Deus quiser!

Lá Vai Lisboa

Vai de corações ao alto nesta lua
E a marcha segue contente
As pedrinhas de basalto cá da rua
Nem sentem passar a gente
Olha o castelo velhinho, que é coroa
Desta Lisboa sem par!
Abram, rapazes, caminho,
Que passar vai a Lisboa
Que vai a Alfama passar!

Lá vai Lisboa com a saia cor de mar
Cada bairro é um noivo que com ela vai casar!
Lá vai Lisboa com seu arquinho e balão,
Com cantiguinhas na boca e amor no coração!

Bairro novo, bairro velho, gente boa
Em casa não há quem fique!
Vai na marcha todo o povo de Lisboa,
Da Graça a Campo d´Ourique!
Olha o castelo velhinho, que é coroa
Desta Lisboa sem par!
Abram, rapazes, caminho,
Que passar vai a Lisboa!
Que vai a Alfama passar!

As Rosas Do Meu Caminho

Quem julga que são rosas as pedras do meu caminho
Não sabe que encontrei sempre nas rosas que me deram
Perfumes que au colher, me deixaram espinhos
Dos olhos me caiu o sangue que fizeram

Porque o perfume é passageiro, é fugaz
Como lume que nos faz mais firme à cinza aquecida
E os espinhos numa ferida que me doa
Na alma de uma pessoa duram tanto como a vida

Quisera como dantes saber rir em gargalhadas
Tão ricas que no ar ganhassem formas esculpidas
Porém no sol da vida há nuvens equiparadas
Enchem de sombras negras a luz de certas vidas

E quando canto todos vêem com certeza
Na minha vida a beleza dum sonho que quer vingar
Mas ninguém pode dar vida a um sonho belo
É construir um castelo que é todo feito no ar

Lisboa Não Sejas Francesa

Não namores os franceses
Menina, Lisboa,
Portugal é meigo às vezes
Mas certas coisas não perdoa
Vê-te bem no espelho
Desse honrado velho
Que o seu belo exemplo atrai
Vai, segue o seu leal conselho
Não dês desgostos ao teu pai

Lisboa não sejas francesa
Com toda a certeza
Não vais ser feliz
Lisboa, que idéia daninha
Vaidosa, alfacinha,
Casar com Paris
Lisboa, tens cá namorados
Que dizem, coitados,
Com as almas na voz
Lisboa, não sejas francesa
Tu és portuguesa
Tu és só pra nós

Tens amor às lindas fardas
Menina, Lisboa,
Vê lá bem pra quem te guardas
Donzela sem recato, enjoa
Tens aí tenentes,
Bravos e valentes,
Nados e criados cá,
Vá, tenha modos mais decentes
Menina caprichosa e má

 

Conta Errada

Aprendi a fazer contas
Na escola de tenra idade
Foi mais tarde, ainda às contas,
Que fiz contas com alguém
Eu e tu, naquela ermida,
Somamos felicidade!
Mas um dia fui seguida
De traições que tem a vida
Que elas mais que a vida tem:
Tinha um homem, fui tentada,
Somei outra conta errada
Fiz a prova, não fiz bem!

Um e um são dois
E é o céu, talvez.
Vem mais um depois
Dois e um são três!
Do total tirei a lição final
Somar, meu bem, somei,
Mas no amor errei
Fiz as contas mal!

Uma traição, mesmo aos traidores,
Faz contas e contas certas:
Multiplica as nossas dores
E divide uma afeição!
Nesta altura, tu comigo,
Das contas, ainda resta!
Só te peço que, ao castigo,
Diminuas o que eu digo
Nesta negra confissão!
De uma falsa que é sincera
Que te espera mas não espera
Contar mais com teu perdão!

Fado Marujo

 Quando ele passa, o marujo Português
Não anda, passa a bailar,
como ao sabor das marés
E cuando se jinga, póe tal jeito, faz tal proa
So para que se não distinga
Se é corpo humano ou canoa
Chega a Lisboa, salta do barco num salto
Vai parar a Madragoa ou então ao Bairro Alto
Entra em Alfama e faz de Alfama o convés
Ha sempre um Vasco da Gama num marujo Português

Quando ele passa com seu alcache vistoso
Trãz sempre pedras de sl no olhar malicioso
Póe com malicia a sua boina maruja
Mas se inventa uma caricia,
Não ha mulher que lhe fuja
Uma madeixa de cabelo descomposta
Pode até ser a fateixa de que uma varina gosta
Sempre que passa um marujo Português
Passa o mar numa ameaça de carionhjsas marés.

Fado Alfacinha

Faz da noite confidente
A noite é sempre calada
Escuta o que diz a gente
E nunca repete nada

Teus olhos são passarinhos
Que ainda não podem voar
Cuidado que andam aos ninhos
Os rapazes do lugar

Teus olhos, quem é que, ao vê-los
Tão doces na tua face
Não lhe apetece comê-los
Como dois olhos dalface

O fado tem tal encanto
É diverso em cada hora
Suspira, guitarra, chora
Cada hora tem seu pranto

 

Fado Antigo

De tanto ter cantado
Já nem sei o que é chorar
Dando alívio à minha mágua
E às vezes quando canto
A minha dor sinto tanto
Tenho os olhos rasos de água
E às vezes quando canto
A minha dor sinto tanto
Tenho os olhos rasos de água

E á noite quando me ouvires
Se saudade ainda sentires
Do tempo que já passou
Escusas de pedir perdão
Que o meu pobre coração
Já tudo te perdoou
Escusas de pedir perdão
Que o meu pobre coração
Já tudo te perdoou

Enquanto a guitarra toca
A minha saudade evoca
Os dias que já vivi
E então como um lamento
Elevo ao céu o pensamento
Que trago agarrado em ti
E então como um lamento
Elevo ao céu o pensamento
Que trago agarrado em ti

 

O Rapaz da Camisola Verde

De mãos nos bolso e de olhar distante,
Jeito de marinheiro ou de soldado,
Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Perguntei-lhe quem era e ele me disse
“Sou do monte, Senhor, e um seu criado”.
Pobre rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado.
Vai-te, rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Ouvindo-me, quedou-se o bravo moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Soube depois ali que se perdera
Esse que só eu pudera ter salvado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Fado Das Trincheiras

O soldado na trincheira, não passa duma toupeira
Vive debaixo do chão.
Só pode ter a alegria de espreitar a luz do dia
Pela boca de um canhão.
Mas quando chegar a hora dele arrancar por aí fora
Ao som da marcha de guerra,
Seus olhos são duas brasas e as toupeiras ganham asas
Como as águias lá da serra.

Refrão :
Rastejando como sapos, com as fardas em farrapos
Pela terra de ninguém
Mas cá dentro o pensamento, corre mais alto que o vento
Quando pela nossa mãe.
E se eu morrer na batalha, só quero ter por mortalha
A bandeira nacional.
E na campa de soldado, só quero um nome gravado
O nome de Portugal.

Soldados da nossa terra, são voluntário da guerra
Que vêm bater-se por brio.
Raça de povo e de glória, que escreveu a nossa história
Nos mundos que descobriu.
Por isso a Pátria distante, brilha em nós a cada instante
Como a luz de uma candeia,
Que arde de noite e de dia no altar da Virgem Maria
Na igreja da nossa aldeia.

 

Fado Lisboa

Lisboa casta princesa
Que o manto da realeza
Abres com pejo
No casto beijo.

Lisboa tão linda és
E que tens de rasto aos pés
A magestade
Do Tejo.

Lisboa das Descobertas
De tantas terras desertas
Que deram brado
No seu passado.

De Lisboa tens a coroa
Velha Lisboa da Madragoa
Quantos heróis
Tens criado.

Sete colinas tem teu colo de cetim
Onde as casas são boninas
Espalhadas em jardim.

E no teu seio, certo dia foi gerado
E cantado pelo povo
Sonhador o nosso fado.

Lisboa, tardes doiradas
dos Domingos, das toiradas
em que luzia a fidalguia

e em que esse sangue valente
mostrava que havia gente
a quem a morte sorria

Lisboa, terra de fama
tens a beleza de Alfama
e a poesia da Mouraria

e nos teus velhos recantos,
eu sei lá quantos, tu tens encantos
dos tempos da valentia.

O Fado Veio A Paris

Quando em Lisboa, o povo me o conhecia
O que era o fado eu quis saber
E tanto andei e perguntei a quem sabia
Que finalmente pude aprender
Certo dia, ao passar numa rua em Lisboa
Um amigo poeta e cantor
Murmurou-me ao ouvido e a medo o segredo
Do fado em Lisboa é o amor!

O fado veio a Paris
Alfama veio a Pigale
E até o Sena se queixa de pena
Que o Tejo não quis sair de Portugal
O fado veio a Paris
Alfama veio a Pigale
E até San Germain de Fré
Já acata o fado em francês!

Vim a Paris para cantar e ser fadista
Por certo não pensa ninguém
Que a mesma história de Lisboa e do fadista
Aconteceu aqui também
Certo dia ao entrar num Bistrô
Pra ouvir a ja-vá, alguém disse bonjour
Amalia c´est finit la trouvez le sous crés
La chanson de Paris est l´amour!

 

 

Fui Ao Mar Buscar Sardinhas

Fui ao mar buscar sardinhas
Para dar ao meu amor
Perdi-me nas janelinhas
Que espreitavam do vapor

A espreitar lá do vapor
Vi a cara dum francês
E sejá lá como for
Eu vou ao mar outra vez

Eu fui ao mar outra vez
Lá o vapor de abalada
Já lá não vi o francês
Vim de lá toda molhada

Saltou-me de mim toda a esperança
Saltou do mar a sardinha
Salta a pulga da balança
Não faz mal, não era minha

Vou ao mar buscar sardinha
Já me esqueci do francês
A idéia não é minha
Nem minha nem de vocês

Coisas que eu tenho na idéia
Depois de ter ido ao mar
Será que me entrou areia
Onde não devia entrar?

Pode não fazer sentido
Pode o verso não caber
Mas o que eu tenho rido
Nem vocês queiram saber

Não é para adivinhar
Que eu não gosto de adivinhas
Já sabem que eu fui ao mar
E fui lá buscar sardinhas

Sardinha que anda no mar
Deve andar consoladinha
Tem água, sabe nadar,
Quem me dera ser sardinha!

Noite De Santo Antonio

Cá vai a marcha, mais o meu par
Se eu não trouxesse, quem o havia de aturar?
Não digas sim, não me digas não
Negócios de amor são sempre o coração
Já não há praça dos bailaricos
Tronos de luxo no altar de manjericos
Mas sem a praça que foi da figueira
A gente cá vai quer queira ou não queia

Ó noite de Santo Antônio
Ó Lisboa vem cantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraiais
Enquanto houver Santo Antônio
Lisboa não morre mais

Lisboa é sempre a namoradeira
Tantos derrices que já até fazem fileira
Não digas sim, não me digas não
Amar é destino, cantar é condão
Uma cantiga, uma aquarela
Um cravo aberto debruçado da janela
Lisboa linda do meu bairro antigo
Dá-me teu bracinho
Vem bailar comigo

Pintadinho
 
Eu vi outrora o luar
À porta de Santa Cruz,
Era o silêncio a rezar
Avé Marias de luz.
 
Fiquei na sombra discreta
E murmurei, que primor,
Não és apenas poeta
Ó luar tu és pintor.
 
Passou o tempo, voltei,
Vi a mesma claridade
E fui eu que então rezar
Padre Nossos de saudade

Autores: José Mariano/Fado Pintadinho

Fadista Louco  

Eu canto com os olhos bem fechados,
Que o maestro dos meus fados
É quem lhes dá o condão.
E assim, não olho para outros lados
E canto de olhos fechados
Para olhar para o coração.
 
Meu coração é fadista de outras eras
Que sonha viver quimeras
Em loucura desabrida.
Meu coração se canto quase me mata
Pois por cada vez que bata
Rouba um pouco à minha vida.
 
E ele e eu, cá vamos sofrendo os dois,
Talvez um dia depois
Dele parar, pouco a pouco,
Talvez alguém se lembre ainda de nós
E sinta na minha voz
O que sentiu este louco

Autores: Alberto Janes

Leio Em Teus Olhos

Leio em teus olhos
Que o nosso amor está cansado,
Leio em teus olhos
Recordações de um passado,
Leio em teus olhos
Que eu já não sou nesta hora
O que fui p’ra ti outrora
Leio em teus olhos.
 
O amor de alguém
É inconstante,
Logo que vem
Vai num instante.
Vê lá se o teu
Não está já muito diferente,
Continua igual ao meu,
Como ele era antigamente

Autores: Moniz Pereira

Túnica Negra     

À noite negra
Deu-lhe Deus a cor,
Vestir de negro
Deu-me por condão,
Mas fado negro,
Negro fado não
Porque o meu luto
É sinal de amor.
 
Eu visto negro
Porque tenho fé,
Eu visto negro
Porque creio em Cristo,
Ai, negro, negro
Por amor me visto,
Mas o meu fado
Negro não, não é.
 
Ninguém me diga
Que não há beleza,
Que só há tristeza
Quando o negro impera,
Porque a andorinha
Que Deus fez tão negra
Sempre que ela chega
Chega a primavera.
Porque a andorinha
Negra, negra, negra,
Negra, negra, negra
Traz a primavera

Autores: Frei Hermano da Camara

Paseio á Mouraria

Caminando sem destino
a passear o menino
saui a Virgem Maria

E per ditoso condão
Levando Jesus pela mão
foi até a Mouraria

Uma guitarra trinava
quando Maria passava
nesse doce entradecer

Nossa Senhora parou
e tristemente escutou
tão amargo padecer

E Jesus amargurado
por ver assim torturado
o rosto que tanto amava

perguntou em vos dorida
a guitarra comodida
a razão porque chorava

Não sabe a guitarra dar
a razão do seu penar
e Jesus fica zangado

E diz então a Maria
não gosto do Mouraria
chorar assim e pecado

E por castigo divino
Nosso Senhor pequenino
diz á guitarra vencida

Magoaste minha mãe
pois has de chorar tambem
pr’o resto da tua vida.

Medo

Quem dorme а noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com siléncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que està dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que està dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Fado Curvo

No templo que é só do fado
A alma é como um jardim
Onde as flores dançam de lado
Na ventania sem fim

Aguentarão, pobrezinhas,
As fúrias da natureza?
Paixão não é linha recta
Nem fado é a certeza

O fado é como um jogo
Que deus inventou inspirado
Se nos pôs cá nesta vida
Foi para jogar o fado

Na mesa dos sentimentos
O coração é um dado
E rola com as guitarras
E dá um número que é fado

O um, o dois e o três,
Faces da mesma verdade.
O quatro e o cinco já são
O jogo da felicidade

O número seis é saudade
Por ela venho cantar
Abriram-me as portas à alma
E agora é vê-la dançar

Feira de Castro

Eu fui a Feira de Castro
P'ra comprar um par de meias
Vim de lá cumas chanatas
E dois brincos nas orelhas

As minhas ricas tamancas
Pediam traje a rigor
Vestido curto e decote
Por vias deste calor

Quem vai a Feira de Castro
E se apronta tão bonito
Não pode acabar a Feira
Sem entrar no bailarico

Sem entrar no bailarico
A modos que bailação
Ai que me deu um fanico
Nos braços de um manganão

Vai acima, vai abaixo
Mais beijinho, mais bejeca
E lá se foi o capaho
Qu'iludiu me coração

E fui a Feira de Castro
E vim da Fira de Castro
E jurei para mais não...

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!

Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

Cavaleiro Monge

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por casas, por prados
Por quinta e por fonte
Caminhais aliados

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por penhascos pretos
Atrás e defronte
Caminhais secretos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por prados desertos
Sem ter horizontes
Caminhais libertos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por ínvios caminhos
Por rios sem ponte
Caminhais sozinhos

Do vale à montanha
Da montanha ao monte
Cavalo de sombra
Cavaleiro monge
Por quanto é sem fim
Sem ninguém que o conte
Caminhais em mim.

Montras

Ando na berma
Tropeço na confusão
Desço a avenida
E toda a cidade estende-me a mão
Sigo na rua, a pé, e a gente passa
Apressada, falando, o rio defronte
Voam gaivotas no horizonte
Só o teu amor é tão real
Só o teu amorâ…

São montras, ruas
E o trânsito
Não pára ao sinal
São mil pessoas
Atravessando na vida real
Os desenganos, emigrantes, ciganos
Um dia normal,
Como a brisa que sopra do rio
Ao fim da tarde
Em Lisboa afinal

Só o teu amor é tão real
Só o teu amorâ…

Gente que passa
A quem se rouba o sossego
Gente que engrossa
As filas do desemprego,
São vendedores, polícias, bancas, jornais
Como os barcos que passam tão perto
Tão cheios
Partindo do cais

Só o teu amor é tão real
Só o teu amorâ…

Mal me quer

Mal me quer a solidão
Bem me quer a tempestade
Mal me quer a ilusão
Bem me quer a liberdade
Mal me quer a voz vazia
Bem me quer o corpo quente
Mal me quer a alma fria
Bem me quer o sol nascente
Mal me quer a casa escura
Bem me quer o céu aberto
Bem me quer o mar incerto
Mal me quer a terra impura
Mal me quer a solidão
Entre o fogo e a madrugada
Mal me quer ou bem me quer
Muito, pouco, tudo ou nada...

 

Loucura

Composição: Júlio Campos Sousa / Frederico de Brito

Sou do fado
Como sei
Vivo um poema cantado
De um fado que eu inventei

A falar
Não posso dar-me
Mas ponho a alma a cantar
E as almas sabem escutar-me

Chorai, chorai
Poetas do meu país
Troncos da mesma raíz
Da vida que nos juntou

E se vocês
não estivessem a meu lado
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou

Esta voz
tão dolorida
É culpa de todos vós
Poetas da minha vida

É loucura,
ouço dizer
Mas bendita esta loucura
de cantar e de sofrer

Chorai, chorai
Poetas do meu país
Troncos da mesma raíz
Da vida que nos juntou

E se vocês
não estivessem a meu lado
Então não havia fado
Nem fadistas como eu sou

Chuva

As coisas vulgares que há na vida
Não deixam saudades
Só as lembranças que doem
Ou fazem sorrir

Há gente que fica na história
da história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir

São emoções que dão vida
à saudade que trago
Aquelas que tive contigo
e acabei por perder

Há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer

A chuva molhava-me o rosto
Gelado e cansado
As ruas que a cidade tinha
Já eu percorrera

Ai... meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob chuva
há instantes morrera

A chuva ouviu e calou
meu segredo à cidade
E eis que ela bate no vidro
Trazendo a saudade

Poetas

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!

Primavera

Composição: David Mourão-Ferreira e Pedro Rodrigues

Todo o amor que nos prendera
Como se fora de cera
Se quebrava e desfazia
Ai funesta primavera
Quem me dera, quem nos dera
Ter morrido nesse dia

E condenaram-me a tanto
Viver comigo meu pranto
Viver, viver e sem ti
Vivendo sem no entanto
Eu me esquecer desse encanto
Que nesse dia perdi

Pão duro da solidão
É somente o que nos dão
O que nos dão a comer
Que importa que o coração
Diga que sim ou que não
Se continua a viver

Todo o amor que nos prendera
Se quebrara e desfizera
Em pavor se convertia
Ninguém fale em primavera
Quem me dera, quem nos dera
Ter morrido nesse dia

Vielas de Alfama

Horas mortas, noite escura
Uma guitarra a trinar
Uma mulher a cantar
O seu fado de amargura

E através da vidraça
Enegrecida e quebrada
A sua voz magoada
Entristece quem lá passa

Refrão:

Vielas de Alfama
Ruas de Lisboa antiga
Não há fado que não diga
Coisas do vosso passado

Vielas de Alfama
Beijadas pelo luar
Quem me dera lá morar
Pra viver junto do fado

A lua às vezes desperta
E apanha desprevenidas
Duas bocas muito unidas
Numa porta entreaberta

Então a lua corada
Ciente da sua culpa
Como quem pede desculpa
Esconde-se envergonhada

Refrão

Transparente

Como a água da nascente
Minha mão é transparente
Aos olhos da minha avó.

Entre a terra e o divino
Minha avó negra sabia
Essas coisas do destino.
Desagua o mar que vejo
Nos rios desse desejo
De quem nasceu para cantar.

Um Zambéze feito Tejo
De tão cantado q'invejo
Lisboa, por lá morar.

Vejo um cabelo entrançado
E o canto morno do fado
Num xaile de caracóis.

Como num conto de fadas
Os batuques são guitarras
E os coqueiros, girassóis.

Minha avó negra sabia
Ler as coisas do destino
Na palma de cada olhar.

Queira a vida ou que não queira
Disse deus à feiticeira
Que nasci para cantar.

Maria Lisboa

É varina, usa chinela,
Tem movimentos de gata

Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata

Em vez de corvos no xaile
Gaivotas vêm pousar

Quando o vento a leva ao baile,
Baila no baile com o mar
Quando o vento a leva ao baile
Baila no baile com o mar

É de conchas o vestido
Tem algas na cabeleira

E nas veias o latido
Do motor duma traineira
E nas veias o latido
Do motor duma traineira

Vende sonho e maresia,
Tempestades apregoa,
Seu nome próprio - maria,
Seu apelido - lisboa
Seu nome próprio - maria
Seu apelido - lisboa

Fora de portas

No tempo dos marialvas
nas festas fora de portas
mal rompia a estrela d'alva
toda a gente ia para as hortas
 
farnel feito à noitinha
e um garrafão bem atestado
guitarras mesmo velhinhas
porque o festão pedia fado
 
A mocidade de outrora
era brava e reinadia
em pouco mais de uma hora
vivia as horas de um dia
 
Nas hortas ou nas esperas
os de mais uma eram herois
tocava o fado deveras
e mesmo à unha pegavam bois.
 
Nessas tardes domingueiras
depois do sol se esconder
curtiam-se as bebedeiras
mas não valia ofender
 
E no regresso das hortas
desafiados pelas cigarras
tocavam fora de portas
gemendo o fado velhas guitarras

 

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